quinta-feira, 1 de julho de 2010

Gramática do Português Falado.

Volume II: Níveis de analise lingüística
Parte II- Morfologia.
Capítulo 5: Prefixos Negativos do Português Falado (Ieda Maria Alves)

O estudo feito sobre a prefixação analisará os elementos prefixais que possuem como traço semântico a negação e a oposição. São eles: a-, anti-, contra-, dês-, in e sem-, esses morfemas foram estudados segundo os critérios morfológicos, semânticos e sintáticos.
O que é prefixo? É um morfema que é colocado antes do radical da palavra, ou de sua base, que faz com que esta, lhe dê uma idéia acessória. O item léxico da prefixação é considerado uma forma derivada, que deve ser estudada no campo da derivação.
Os morfemas contra-, não- e sem-, nem sempre são reconhecidos como elementos prefixais. No entanto, podem ser considerados prefixos e incluídos entre os processos de derivação, porque constituem morfemas fixos e investigativos, que já estão sólidos na língua, como elementos de formação de palavras.
Para a determinação dos elementos prefixais, não foi levado em conta o caráter diacrônico ou sincrônico, para a introdução desses elementos no português. É considerado prefixo o morfema que o falante entende como um elemento que atribui à base, ou ao radical da palavra, uma idéia a parte, que, recorrentemente, pode atribuir a mesma idéia a outras bases. Assim, o morfema extra-, que faz parte do item léxico extraordinário, é considerado prefixo, pois ele pode se associar a outras bases.
A análise realizada está baseada em nossa competência de falantes nativos do português e nos dados definidos como integrantes do corpus mínimo do Projeto Gramática do Português Falado.

O prefixo a-

É existente em bases adjetivas e em alguns elementos substantivos que são resultados da nominalização dos adjetivos prefixados.
1. Anormal, apolítico, apartidário. (bases adjetivas)
2. Anormalidade, apartidarismo (resultados da nominalização dos elementos, de bases adjetivas.)
Quando é unido a uma base, o prefixo a- nos dá o sentido de: “que não é-”. Com base nos exemplos a cima, podemos verificar que os adjetivos que se juntam a a-, pertencem, a maior parte deles, à classe dos adjetivos ‘classificadores’, e não à dos ‘qualificadores’. Pois quando esses adjetivos classificadores recebem o morfema prefixal a-, apresentam para a frase, ou palavra, certo significado.

Ex.3. crescimento anormal- “Crescimento fora do normal”

O prefixo anti-

Esse prefixo vem antes de bases substantivas (comuns e próprias) , adjetivas, sintagmáticas e acronímcas.
Ex. 4. Antichefe, antiinflamação, antimofo (bases substantivas comuns)
antiCristo, anti-Sarney (bases substantivas próprias).
5. antialérgico, anticonjugal, antigripal,antitelevisivo (bases adjetivas).
6.antigente de cor (base sintagmática).
7.antiCia, antiIbope, antiOnu (bases acronímicas).

O prefixo anti-, possui o significado de “ação contrária a-”.
8. antialérgico “que age contrariamente à alergia.”
Antigripal “que age contrariamente à gripe.”
antiIbope “que age contrariamente ao Ibope.”

Nas formações como anti- com uma base substantiva, podemos observar muitas vezes o fenômeno da mudança de classe, pois o item léxico resultante dessa associação pode exercer uma função adjetiva.
Ex. 9. Material antimofo, loção anticaspa, madeira anticupim, comício antigoverno e manifestação antigrve.

E o fenômeno ao contrário também pode ocorrer, embora seja menos freqüente (a base adjetiva pode funcionar como substantivo):
Ex.10. Mas mesmo assim, ela resolveu tomar dois comprimidos de antigripal.

O prefixo des-

É unida a bases substantivas, adjetivas e, principalmente, verbais.
Ex. 11. desconforto, desorganização, despreparo, despoluição. (bases substantivas)
12. desagradável, desfavoráveis, desnecessárias, desumana. (bases adjetivas).
13. desaparecer, desentender, desocupar, desumanizar. (bases verbais).

O prefixo des-, nós dá o sentido de “ausência de”, “falta de”, pois negam o significado dado pela base que se juntam.
14. desconforto “falta de conforto”
desumana “falta de condições humanas”.

Essa “ausência de” ou “falta de” não são puro e simplesmente um resultado de negação, mas sim, essas unidades derivadas com o prefixo, des- nos mostram certa “perda” quando comparada com o valor semântico da palavra-base.
Quando associado a bases verbais, (que fazem a ação-processo) o des- atribui a eles, novamente, o efeito de “perda”. Assim, o verbo de ação-processo, possui pelo menos, dois argumentos: um agente/causativo e outro afetado/efetuado, ao ser prefixado por des- denota “perda” que dá referência ao significado que a sua respectiva base apresenta.

O prefixo des- pode também, em alguns casos, dar um valor reforçativo:
Por exemplo:
16. desinfeliz “muito infeliz”
Desinquieto “muito inquieto”

O prefixo in-

Como ele possui um significado negativo, o prefixo in-, se apresenta de duas formas: in- e i-, que se manifestam em ordem diferentes.
In- prefixa normalmente as bases adjetivas.
17. incapaz, imortal, impuro.

Às vezes, esse prefixo ocorre antes de bases substantivas e verbais. Mais as formas substantivas e verbais constituem, na verdade, formas providas de bases adjetivas. Assim, do adjetivo imortal, por exemplo, derivam os substantivos: imortalidade e o verbo imortalizar.
Alguns outros exemplos: incapz-> incapacidade e incapacitar.
Impermeável-> impermeabilidade e impermeabilizar.
In- vem antes de bases adjetivas que possuem um variável valor semântico para fazer a negação do significado.

18. Imortal “não mortal”
Impessoal “não pessoal”
Incompleta “não completa”
Ingrata “não grata”

In- se une também a bases adjetivas formadas com o sufixo –vel resultado de verbos transitivos diretos. A tais bases conferem o valor semântico “não-”, ao qual se ajunta ainda um função expressiva:

19. Indiscutível “não discutível”
Indispensável “não dispensável”
Intolerável “não tolerável”
Irresistível “não resistível”

Os provenientes com prefixo in-, envolvem uma negação antonímica, em relação a base, que pode apresentar características não-graduáveis, por exemplo: completa/incompleta, mortal/imortal, real/irreal,e existem também características graduáveis: feliz/infeliz, grato/ingrato.

Os antôninos graduáveis são empregados como contraditórios e não como contrários.

20. Por exemplo: ele é feliz/ ele é infeliz.
Os dois enunciados a cima, não podem ser verdadeiros, como também não podem ser falsos. O mesmo “ele” não pode ser ao mesmo tempo, feliz e infeliz, mas em alguns momentos ele pode ser feliz, e em outros momentos ele pode ser infeliz.

O prefixo não-

O prefixo não- é associado às bases adjetivas, substantivos e a formas participais que exercem função adjetival.

21. não-aéreo, não-didático, não-liberais, não-violento.(bases adjetivas)
22. Não-ajuda, não-cristão, não-deferimento, não-esquecimento, não-realização. (bases adjetivas)
23. Não-dicionarizado, não-escolarizado, não-filiado.(bases participais)

O não- nega o sentido que a base manifesta de maneira imparcial e neutra e implica também uma relação de complementaridade.
24. trecho aéreo/não-aéreo
Profissionais escolarizados/não-escolarizados.
Profissionais liberais/não-liberais.

O não- significa “não tem as características de-”, quando junto com substantivos concretos.
25. não-livro “que não tem as características de livro”
Não-jornal “que não tem as características de jornal”

Os prefixos contra- e sem-

Mesmo sem encontrar exemplos de palavras provenientes com esses morfemas prefixais, estudaremos a seguir, os prefixos contra- e sem-.

O prefixo contra- vem antes de bases substantivas, adjetivas e verbais.
26. contraplano, contra-revolução, contraguerrilha (bases substantivas)
27. contraproducente (base adjetiva)
28. contra-argumentar, contrapropor (bases verbais)

O significado do prefixo contra- é “contrário a”. Mas, dependendo da posição em que estiver, o morfema contra- também nos dá uma marca complementar a sua base.
29. contra-argumentar “apresentar argumento centrário e complementar ao anterior”
Contraplano “plano contrário e complementar ao anterior”
Contra-revolução “revolução contrária e complementar à anterior”


Mas, o contra- pode manifestar também, um significado ativo, como em:
30. contracultura “cultura contra”
Contra música “música contra”.

O prefixo sem- se une a bases de propriedade substantival para formar substantivos (sem-fim, sem-número, sem-terra, sem-teto), os quais podem funcionar como adjetivo (ato sem-nome, homem sem-terra, pessoa sem-vergonha).

Para essas bases, o prefixo sem- possui o significado de “que não tem”.
31. sem-fim “que não tem fim”
Sem-terra “que não tem terra”

Considerações Finais.

Alguns morfemas prefixais estudados, podem fazer ligações com as mesmas bases, mas quando se prefixam a uma base e estabelecerem com ela, uma relação antonímica, cada um dos prefixos estudados, confere um valor diferente semântico ao item léxico originado. Na verdade, não existe concorrência entre os diferentes morfemas prefixais que exprimem a oposição e a negação.
Os itens lexicais originários do prefixo não- mostram, sem nenhuma conotação, a negação, a não existência total do significado expresso pela base.
O prefixo in- chega a dar aos seus derivados, um valor de significação desagradável, o que não ocorre com os prefixos formados com o não-. Os adjetivos formados por prefixo in- + terminação –vel, trazem consigo, um certo exagero, e não é o que acontece com os adjetivos formados pelo prefixo não- + terminação –vel, como mostra o exemplo: intolerável e não-tolerável.
Com relação ao prefixo des-, o não-, nos mostra também, neutralidade, pois o não-, exprime uma simples negação, e o des- significa, antes de qualquer coisa, “ausência”, por motivo de uma “perda”.
Aos outros prefixos analisados, podemos resumir, dizendo que: a- significa “que não é-”, anti- significa “oposição sob forma ativa”, o contra- significa “oposição complementar” e o sem- significa “que não tem-”.
A prefixação de caráter negativo e opositivo tem proporção em muitos casos, para uma economia discursiva. Podemos perceber isso, pois a negação por prefixação reduz as frases, e melhora nosso entendimento. Como no exemplo: “manifestação antigoverno”, a frase sem o prefixo de negação ficaria da seguinte forma: “manifestação contra o governo”.
Feito esse estudo sobre os morfemas prefixais que apresentam traços negativos e opositivos, no português oral, alguns desses morfemas, possuem bastante produtividade e completam a formação de vários itens léxicos, são eles: anti-, des-, in- e não-. Já os prefixos a-, contra- e sem-, possuem a produtividade menor.
Neste trabalho, pudemos constatar alguns elementos prefixais, como, anti-, contra-, des- não- e sem-, podem ser associados a diferentes bases: substantivas, adjetivas, verbais e ect. Já nos prefixos a- e in- são prefixados apenas às bases adjetivas, porque, as outras bases a que eles podem se associar consistem em formas oriundas de bases adjetivas.
Finalmente, podemos ver, com esse trabalho, que o morfema prefixal anti-, des- in- e sem-, provocam alterações no contexto da frase ao se prefixarem a uma base.